domingo, 9 de junho de 2019

No primeiro gole a voz embarga, os olhos marejam.
No fim da lata, a língua enrola e uma mulher no caminho, é ninho.
Sedento por novos toques, outros cheiros. Nem sempre tão diferentes assim.
Ele adentra os mesmos cômodos, o mesmo sexo desprotegido.
No terreno dele muitas mulheres perdem força.
Ao luar, a fogueira mais próxima, regada à vinho, não é a que a celebra mulher.
É a que a consome, lentamente.
No terreno dele, a lei é que o amor sempre perdoa.
Assim mantém o conforto de um relacionamento e o descompromisso de menino.
No terreno dele ela é lar sagrado.
Se aceita os limites, enterra as provas, levanta as paredes e afasta aquelas que teriam outras histórias para contar.
Histórias que se repetem com novas desculpas, outras promessas. Nem sempre tão diferentes assim.
Ele adentra os mesmos cômodos, o mesmo sexo desprotegido.
Depois são silenciadas, descartadas, desacreditadas.
Algumas somem de cena.
Outras assistem tudo no íntimo de sua residência, conformadas de que nem sempre o amor vale a pena.
A cura é cara, cobra cada espasmo de prazer, cada palavra ainda engasgada e cada pequeno abandono acumulado.
Por isso mudo sempre a direção, dou a volta no quarteirão querendo um dia reencontrá-las
no terreno sem dono,
no gozo sem culpa
no ardor e alívio de nossa verdade

domingo, 5 de maio de 2019

A separação


Era um sábado de manhã quando acordei em casa, uma morada ampla para uma menina de 6 anos de idade. Fazia sol, mas não estava muito quente e meu pai chegara de viagem no dia anterior, assim tudo devia estar em ordem de novo.
Ao dar bom dia para minha mãe, perguntei do meu pai e recebi a notícia de que ele fora morar na casa da minha avó. Não entendi por que ele queria morar em outra casa - estaria minha avó muito doente? Ele viria visitar sempre, dizia minha mãe. Não que esse vai e vem fosse novidade. Mas até ontem ele estava ali, no seu lugar que há algum tempo passara a ser o quartinho dos fundos, o ‘boa noite’ antes de dormir, "você é a coisa mais importante do mundo", o acordar no sábado de manhã, o pequeno cais na volta de cada viagem. Esse pouco que tinha sobrado de uma separação a prestações nunca admitida. Minha mãe tinha uma tristeza ao seu jeito, mas estava forte para seguir o dia.Comecei a chorar, voltei para a cama acalentando a mim mesma até dormirem as lágrimas no travesseiro.
Quando acordei, meus irmãos ajoelhados nas cadeiras em volta da mesa da cozinha ajudavam a fazer o bolo de chocolate preferido. Nega maluca era o nome da receita. “Olha quem acordou! Adivinha o que estamos fazendo” disse a mãe com animação. Os pequenos estavam ansiosos para rapar a tigela da massa ainda crua, mas eu ainda me dava conta de que não havia acordado de um sonho ruim.
E tudo o que se fez presente foi impondo a normalidade, tal qual o racismo em uma receita de bolo. Algumas coisas mudaram aos poucos. A mãe agora ouvia músicas românticas açucaradas e de superação, às vezes eu mesma colocava a fita para repetir até decorar. Meu pai me visitava, mas já não ocupava o mesmo lugar. Agora ele parecia um homem da novela que eu gostava de assistir.
Ao longo da vida, aquelas lágrimas ganharam vontade própria que, adormecidas, despertavam no meio de um dia qualquer.