Suzana pensava sobre as palavras de seu antigo companheiro: por que continuar naquele trabalho que a matava todo dia um pouco por dentro, que não trazia crescimento em nenhum aspecto da sua vida? - quando o celular vibra com uma mensagem do editor dando o retorno do último texto, dizendo que tomara partido, que muito crítico e que fugira do tema. Um suspiro.
Ela estava exausta no banco de passageiro. Era uma quinta-feira e ela havia sido demitida no início do mês, mas precisava entregar ainda alguns trabalhos. Chovia e o trânsito congestionava. Ao lado da sua janela um ônibus, muita gente que demoraria ainda para chegar em casa e que amanhã faria novamente o caminho de ida e volta. A amiga motorista interrompeu o devaneio dizendo como era bom estarem ambas solteiras, que estava descobrindo muito sobre si mesma e argumentou como um relacionamento de longo tempo acaba se tornando opressivo e de como a ideia de amor para vida toda é um absurdo que ilude e aprisiona as pessoas.
Ela perdera o emprego e o namorado e segundo as pessoas, ela tinha sorte por isso, apesar de não sentir bem por nenhuma das duas coisas. Então agora era livre e devia dedicar algum tempo a si mesma, descobrir novas possibilidades na vida, ler os livros atrasados, desenvolver suas inclinações artísticas e intuições. Sempre se sentia mais perto de si quando escrevia, mas há tempos não fazia isso e, na verdade, não estava nenhum pouco a fim de retomar. Era a primeira vez que ela via o fim das coisas sem se empolgar com a possibilidade de um recomeço. Há muito ela não tinha tempo só para si e desaprendera a ficar sozinha.
- A gente não sabe viver, a gente se acomoda, sabe? - dizia a amiga, continuando suas descobertas das verdades da vida. - Se todos soubessem que não precisam se submeter a essa vida de robô... ou melhor dizendo, de cachorro, né? Porque máquinas não podem ser humilhadas, nem se resignam como a gente...
Sem dar sequência ao assunto nossa personagem observava o ônibus e a fila de carros ao seu lado e se perguntava por que aqueles trabalhadores continuavam em seus empregos opressores; por que pessoas insistiam em ter relacionamentos duradouros; por que esforçavam-se tanto para alcançar a felicidade, se ao que tudo indica, é ilusória? Produzindo, reproduzindo-se e consumindo, apenas. Ela era incapaz de acreditar que eram todos simplesmente acomodados e alienados. "Há de existir alguma verdade ali". Desconfiava da filosofia da amiga sobre a necessidade da descoberta de si.
"Quer dizer então que tenho essa oportunidade agora, que posso, e logo, devo mergulhar com tudo, com medo, com tudo, dentro de mim, vivendo a liberdade da busca do que sou. Devo me arriscar nessa vida, me desapegar do banal, acreditar em mim, cuidar de mim, escrever sempre, escrever mais, seriamente e intensamente".
Lembrou que Macabéa cintilava na estante de seu quarto, pedindo um novo encontro. "Não somos igualmente livres, esse é o problema”. Na verdade ela queria estar ali no ônibus, esmagando seu próprio eu no coletivo. Haviam dito que era fácil, que esse "eu" que pode ser facilmente dissolvido na multidão, alienado na frente da TV, eclipsado em uma relação romântica. E ao mesmo tempo é tão valioso, a ponto de você ter o dever moral de dedicar-se a ele. "O maior erro de Macabéa foi achar que ia ser estrela. Por isso morreu - atropelada - porque não tinha o direito exercer sua essência e particularidade. Como ser escritora em um país de datilógrafas analfabetas?".
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