quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

inócua

Acontece que de uns tempos pra cá as coisas ficaram estranhas. Ela ficara secretamente chata. Eram raras as músicas que não a enjoavam ou irritavam, lia autores à procura frustante de novas obras a sempre serem lidas e, quanto aos filmes, olhava a programação do cinema, mas lhe interessava mais reassistir os da locadora. Outro pormenor era que admirava cada vez mais das pessoas a sua volta, gostava do jeito de cada um, para ela tão característico como em personagens de filme ou mesmo de ligas de super-heróis.
Mas no fundo designava a eles a razão dessa perturbação toda, pois de algum modo obrigavam-na a fazer algo ao qual nunca se havia dado ao trabalho: mostrar pessoa que julgava ser. O motivo ter vivido até então meio as escondidas não me consta saber. Ela costuma explicar-se assim, que antes simplesmente não valia a pena. Mas eu diria que tal comportamento estava mais para uma decisão covarde do que sábia.
Hoje em especial me sinto com o corte cego. Sem problemas... todos tomam como pretexto minha inocuidade. E com razão, se chego a cortar, é só a minha a carne.

domingo, 4 de novembro de 2007

desligando pontos

Estava a andar pelos blocos, olhos baixos, olhando meus pés, um tanto decepcionada por não ter reparado que eu estava com minhas havaianas brancas encardidas. Foi então que passaram por mim dois pés descalços, não encardidos, pretos mesmo. Eram de um garoto que equilibrava num dos ombros uma cesta básica que devia pesar tanto quanto ele.
Certa compaixão atreveu-se a manifestar-se, mas em seguida veio o sarcasmo que tem me acompanhado nos últimos dias, pois não eu estava preocupada em refletir sobre nada, talvez seja por cansaço.
Continuei meu caminho e no carro estacionado por qual passei, li, "Tudo com Jesus, nada sem Maria". Isso trouxe além de mais firmeza a minha recente decisão de não refletir sobre o que ando vendo, uma enfadada revolta.
É que as coisas ao nosso redor vão acontecendo numa continuidade tão natural que parecem fazer parte de uma mesma coisa e que estão juntas a formar uma só realidade. Porém tão natural quanto a sucessão dos fatos é nossa preocupação imediata em interligá-los e como puderam perceber diante dos ocorridos descritos acima tal exercício tem exigido fé demais. Assim, desisti mesmo de refletir sobre as conjunturas cotidianas.
Há incoerências demais no mundo pra que eu me anime a procurar um possível - nem por isso provável - sentido que, nas profundezas das coisas (ou quem sabe nas alturas), costumamos achar que existe, eu, o pessoal do bloco e o garoto que não tem chinelos.

sábado, 15 de setembro de 2007

Eva

Acabara de sair do banho, estava no quarto, os cabelos ainda molhados. Era de manhã e comia uma maçã no desjejum sentindo aquele frescor na cabeça e na nuca. Viu-se no espelho de relance e pensava em nada, era exatamente aquilo, nua comendo maçã. Se alguém estivesse a olhá-la através janela da sacada se encantaria com a maneira afável e a singeleza de seu corpo delgado de menina e jamais desconfiaria que estivera observar aquela que fora a culpada primeira de todos pecados. Eva, achou graça do que refletir no espelho e mordeu a fruta que já estava meio velha.
A graça foi de identificar, de repente em si, a mesma ingenuidade desde a época em que era a única mulher no mundo. Quantas vezes... quantas vezes ela soubera o que não devia fazer, era óbvio que ia dar merda, arrepender-se-ia depois, e fizera assim mesmo e, de fato, estragou tudo?
Eram atitudes completamente irracionais, eu sei, alguns diriam estúpidas, bem sabe Eva. Tanto que ela própria sentencia-se imbecil quando age de tal forma além de sentir muito pelos que acabam atingidos. Também não admite as desculpas de que foi inevitável ou que poderia acontencer a qualquer um, pois sabia, a culpa era sempre mesmo toda sua.
Mas ria... bem, e de que adiantaria ficar se lamentando por toda eternidade à frente ou atrás? Sua condição de não poder mudar o que estava feito e de ter de aguentar as conseqüências e julgamentos alheios lhe era frustrante, mas não havia como mudar o passado e nem conseguia ficar se remoendo por muito tempo. Afinal, se existe alguém que a entende realmente e que conhece os motivos de ter assim agido, este era exclusivamente ela. Por isso se perdoava. E retrocedendo nas memórias ria - ria daquele instante, pois a verdade é que existe um momento em que não faz sentido seguir se não fizer o tal ato proibido, porque é preciso saber o que acontece - "o que acontece se". Ria de como se sentia sempre indefesa frente essa cíclica fatalidade, vendo sua alma ser tomada por algo que não era mal, era apenas não devia fazer, mas ninguém explicou o porquê.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

Você pensa que o céu é azul
Na verdade é azulado, azul esbranquiçado, desbotado pela luz do Sol.
Só que hoje, confesso, está muito corado, num azul vivo...
Como vivo, eu não sei, e realmente assim não poderia ser.
Pois veja: água é incolor. Terra, marrom.
E este céu parecendo polpa de fruta tropical!

sábado, 1 de abril de 2006

sem tempo pra sentir
proíbo-me de pensar
se o fizer
desencadearia a verdade
e ainda não é tempo

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2006

Deus em mim é como um rato escondido na cozinha:
Às vezes de madrugada o vejo com sua corridnha desengonçada. Então paro, espero sem saber
o que fazer; é tarde e esse é o tipo de situação que eu sei, existe uma resolução, comum mas na qual
não consigo pensar na hora. Talvez seja o cansaço e de manhã ao me lembrar do que ocorreu ou num
desses momentos em que esteja concentrada em outra coisa me venha a imagem do ocorrido e a
ideia engraçada de não sabido resolver antes.
Mas curiosamente, nos dias seguintes, isso não se realiza e prefiro achar que o ser incomodador foi embora.
Assim eu vivo, passam-se os dias e ele não está lá - mas toda noite em que eu entrar na cozinha,
lembrar-me-ei; no fundo, em algum lugar, ele sempre estará. - Ah! E que esteja! - agora e na hora de
nossa morte amém !



Algo não passa pela minha mente (tamanho seria meu pavor) :
Um dia eu abro o forno, faz- se o ranger, as grades deslisam mecanicamente para fora, e encontro o rato morto - já imaginou se Deus aparecesse morto? E eu tendo de lidar com aquilo. Segurá-lo pela
cauda?- teria Deus cauda? Pendurado, sentindo seu peso, sua rigidez, a extinta existência? O que fazer
então ? Jogá-lo no lixo ? Jogam-se ratos no lixo? com restos de comida ? Ninguém me ensinou a lidar com isso. E então na manhã seguinte Deus iria embora num caminhão, quem sabe até já fedendo.

sábado, 5 de novembro de 2005


são poucas as lembranças
e guardo-as com carinho
cenas espargidas de infância
cavalos marinhos
ligam-se sem sentido
com azul escuro
e me vem saudade dele
que estava comigo