quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Na terceira do singular

Freqüentemente ao acordar tenho me deparado com um homem nu em minha cama. Na maioria das vezes me cubro e volto a dormir ou mornamente o desperto, pois não acordo de verdade se ele não falar comigo. Em dias, como o de hoje, eu me surpreendo.
Não quero falar da cumplicidade e o zelo que essa relação envolve, trata-se de uma sutil e não necessária implicação.

Acredito que eu nunca havia passado tanto tempo sem escrever. Mesmo com as atividades que me tomam o dia, não dá pra fingir que essa relação não tenha algo a ver com isso. E não foi só a prosa que eu sumiu. O número de pessoas do meu convívio também caiu.
Eu tenho meus momentos a sós, poderia ter mais. Poderiam ser aproveitados para escrever, reencontrar amigos, viver a vida que me é particular. Mas não funciona assim. Era preciso muita consciência de si para fazer essas coisas. Mas se tornara realmente difícil sentir-me sozinha agora. Minha identidade, minha solidão, não se encontram sequer no branco do teto do meu quarto. Na hora do banho viram vapor...
Ainda preciso dos meus momentos a sós, e me orgulho disso. O mesmo parece ocorrer com os segredos que são apenas meus - embora não goste deles em si e prefira esquecê-los.
Há pouco tempo pressenti o perigo de uma crescente perturbação causada pela saudade de alguma de essência minha. Decidi que deveria encontrá-la e tomar as medidas para que acontecesse logo e completamente, sem ruídos. Comprei um maço de cigarros e fui passar uns dias na casa de minha irmã -liguei também pra uma, mas ela tinha outro compromisso.
Imagine que nem de três dias e um cigarro se passou.
Eu sabia bem a direção, as cores e as horas pra onde eu queria voltar. Naquela antiga fazenda, em pé na varanda, meu olhar perdia-se num ponto fixo muito adiante... Eram as mesmas cercas. Não era preciso andar até lá, pois eu podia mais do que vê-las dali, podia segurar as arestas de madeira seca, batê-las o pé, sem vontade de estar ali.
Não importa se mal conheço os ressaltos depois desse limite. Nem sequer sei se existem mesmo ou é a repetição simétrica que meus olhos produzem. É-me indiferente, se eu puder não pensar, sinto que não encontrarei novos tons. Um exaustivo bis de enfrentamentos. Um arco-íris binário. Não, não reproduzirei mais esses passos. Até que as cores amadureçam. E que as rajadas de vento mudem a paisagem.
Eu espero.
Repouso a cabeça no peito dele, quase sem cheiro.
Não foi sem um grande alívio que percebi o privilégio que agora eu tenho de não precisar ser inteiramente. Ultimamente tenho sido mais dele do que sendo. Sua. Sou ela.
Alguém que pega ônibus, vai ao trabalho, faz compras. Mas se você perguntar por ela, ninguém saberá lhe dizer. Ela só existe quando está com ele, a única testemunha.

fundo sonoro: Perfect Day - Lou Reed e Elvis Costello

Um comentário:

leila saads disse...

Algumas partes desse texto parece que fui eu que escrevi - não pelo estilo, mas pelo tom.

Até!