domingo, 26 de abril de 2009

cacos

Talvez a forma do amor seja a de uma esfera - como uma bola de cristal. Ao menos assim se manifesta quando lhe rompem em pedaços, lhe quebram.
Ele, que era só forma.
Estilhaça-te. E não sobram unidades volumosas. Só restam pedaços disformes e estes se fazem apenas função. Destina-se a sangrar quem lhe quebrou, não por raiva nem deliberadamente. É a forma que fatalmente assume.
Ainda julgam o amor cruel, porque ele faz sangrar. Como se apenas o sangue significasse sofrimento.
Acontece que a dor do corte é óbvia, carnal, é sentir o substancial presente, inquestionável, tão certo quanto é a coagulação.
Mas quando se é resíduo de algo, como o sentimento despedaçado, sua própria existência não passa de intuição de um passado. A única confirmação de realidade é perfurar aquele que o transformou em estilhaço. No pequeno espaço de tempo em que tudo se quebra e o sangue escorre, esquece-se o que é que foi quebrado, pois as partes não podem ter noção do todo.
Vou lhes contar do sofrimento de fazer sangrar.
Quanto mais os cacos perfuram, mais percebem o que não são, que lhes faltam partes. Esse sofrimento, da incompletude é sua condição de caco, um vazio consciente e incerto, vazio que não consiste em morte. Em suspiros dilacerantes, uma dor que não sangra.

fundo sonoro: Where I End You Begin - Radiohead

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